Com as idades tão tenras das três filhas queridas,
Vidas essas nascidas de um erro passado,
numa quase choupana do pai velho e doente,
habita a crente com a Fé ao seu lado.
De enxada nos ombros, partindo pra roça,
batalha com raça por nosso bocado.
No bornal tão mirrado, de comida fraquinha,
leva agulha e linha de crochê e bordado.
E bem cedo na roça, sem que o frio a detenha,
faz seu feixe de lenha, de maneira mui ágil.
Sustentando a garra, trabalha pesado;
esforço dobrado, por ser ela bem frágil.
Já se faz quase noite quando em casa ela chega
com a lenha nas costas, e o suor pela roupa.
É o tempo que tem de acender o fogo,
e assim prepar-nos do fubá uma sopa.
E a seguir... dormir??? Nem pense você!
À luz de lamparina ela faz mais crochê!
Abate-a canseira, e a gente a chama:
_ Mãe, quero dormir na cama!...
_ Só mais esta carreira!
O sábado é dia do terrível esfregão
na velha bacia, com direito a sabão.
Bota a gente de “molho”, e com força na mão,
vai nos deixando brancas, sem o antigo cascão.
Lava a nossa roupa, que de suja é azeda
com a disciplina de quem lava seda.
Limpa o chão da casa com água de cinza,
e com uma toalha ela enfeita a mesa.
Domingo bem cedo, ainda forças engendra
para, com alegria, demonstrar outras prendas:
na máquina de costura, de pano em pano,
todo rasgo corrige, pra durar mais um ano.
E enquanto cozinha, ela canta pra mim
cantigas antigas, mais ou menos assim:
“Folhas ao vento, quando a bonança veio me abraçar.”
“Acorda, patativa, vem cantar!”
logo a noite chega, abarcando o céu.
Vamos à igreja, de hinário e véu.
“Não olhar pelo caminho as vitrines de bar,
senão as lombrigas podem nos magoar”.
Hoje, 2.004.:
Isto tudo ainda é pouco, mas concluo, enfim.
Eis o que foi e o que é minha mãe para mim.
Os anos passaram; o milênio mudou.
E se hoje eu posso ser aquilo que sou –
( embora tão pouco eu seja),
devo-o a DEUS, que a tornou benfazeja.
Não tenho calos no joelho; só uma leve marquinha,
o que não se compara aos que minha mãe tinha.
Seu exemplo de Fé fez ligar-me ao Céu.
Hoje está bem idosa, essa serva fiel.
“O justo florescerá como a palmeira... plantado na
Casa do Senhor..... Na sua velhice dará frutos.......
Será cheio de seiva e verdor....”Salmo 92 – 10.
Obrigada, Senhor, por minha mãe Zuleika!
Heloísa. 13.07.2.004.